quarta-feira, 24 de março de 2010

Ponto de encontro dos heróis da noite


Por Marisa Valladares

Cansados, exautos, famintos, revoltados, esperança e desodorantes vencidos, eles chegam. Vêm das fábricas, das lojinhas, dos supermercados, dos estacionamentos, das oficinas...Pedindo licença para entrar. As justificativas são desnecessárias porque os professores as conhecem na própria rotina: conduções lotadas e atrasadas, trânsito horrível, patrões que sempre querem alguma coisa a mais na última hora. Chegam aos poucos e em grupos predeterminados dirigem às salas de "conferências". Acomodam-se nas carteiras desconfortáveis e tentam amoldar os corpos e mentes à aula.

Conteúdo? É um eterno ouvir, ouvir, escrever, escrever. Que linguagem estranha é esta? Ninguém fala desse modo, nem os artistas da TV: hiatos, cadeia alimentar (que fome!), lugares distantes que ninguém visitará, tempos passados que se fora e deixaram isto... No quadro tanta matéria, no estômago tanta fome, na cabeça tantos problemas, no corpo tanto cansaço... Os sinais cronometrados pela central de controle marcam os tempos: recreio, começo e fim. Ir embora não é o paraíso. Em casa o pai bêbado, as crianças amontoadas, num cheiro misturado de gordura e urina dos bebês, o aluguel atrasado, conta vencidas...

Não, não pode ir embora. Há controle de presença. A platéia está amarrada, bem firme no cumprimento do horário.

Lá fora, a noite convida à vida e a morte. Drogas, bebidas e sexo que enlouquecem e fazem esquecer. Encontro com amigos, com o amor. Aconchego nos lares, comida quente, banho, cama, sonhos...